As
pessoas adstritas ao simbolismo ou pouco versadas na simbologia
debocham e riem do Reverendo James Anderson (1680-1739) atribuindo a ele
a frase: "Adão foi o primeiro maçom, iniciado por Deus no paraíso". Se
verificarmos o texto original de "The Constitution of The Fraternity of
Accepted Free Masons" (Constituições de Anderson, 1723) veremos que
Anderson escreveu o seguinte:
"Adão, nosso primeiro Antepassado (first Parent), criado a partir da
Imagem de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, deve ter tido as
Ciências Liberais, especialmente a Geometria, escritas em seu Coração
(written on his Heart) pois mesmo desde a Queda, encontramos os
Princípios dela nos Corações de seus descendentes e que nos processo do
tempo (in process of time), têm sido depuradas em um conveniente Método
de Proposições, pela observação das Leis da Proporções..."
O estudo do simbolismo e a simbologia parecem ser a mesma coisa. Mas
são diferentes, tanto pelo objetivo quanto pelo método. Os expertos (e
espertos) em SIMBOlismo restringem-se à expressão e à interpretação de
símbolos. Já a SIMBOLOGIA estuda esses mesmos símbolos pelo prisma
aprofundado do humanismo. James Anderson era mestre em artes e doutor
em teologia. Quando redigiu a Constitution of Free Masons, Jean
Théophile Desaguliers estava ao lado dele. Desaguliers era membro da
Royal Society de Londres, assistente de Isaac Newton, professor de
filosofia, inventor do planetário e terceiro GrãoMestre da Grand Lodge
of England, entre 1719 e 1720, e um dos pais da moderna maçonaria. Os
textos atribuídos a James Anderson foram compilados sob a supervisão de
Desaguliers. Rir de Anderson é um apanágio daqueles que estão à altura
de rir da simbologia, dos graus acadêmicos M.A. e D.D. que o Reverendo
possuía, do prestígio da Royal Society e da fundação da moderna
maçonaria.
Partamos do princípio de que as ordens iniciáticas têm por objetivo
despertar o potencial interior do ser humano e auxiliá-lo na
redescoberta de sua relação com o Cosmos. Consideremos que cada pessoa
seja portadora dos arquétipos que promovem sua evolução - arquétipos e
leis escritos em seu Coração. Nada há de cômico ou risível na afirmação
simbólica do Dr. James Anderson. Pelo contrário: é trágica a
perspectiva de que o homem seja um vazio destituído de qualquer base
sobre a qual possa sustentar seu templo interior. As etapas para se
alcançar o conhecimento partem daquilo que vem antes ("a priori", em
latim) e são, no caso da afirmação de James Anderson, uma anterioridade
lógica sustentada nas noções de: 1) um Mestre primordial (Deus ou
Imagem [representação] de Deus); 2) uma transmissão de potencialidades
básicas (iniciação); 3) um recipiendário (Adão ou, se preferirem, nossos
primeiros pais - first parent); 4) uma escola (templum - paraíso)
preparado para aquele remoto cerimonial.
Quem estuda SIMBOLOGIA reconhece na afirmação do Dr. James Anderson os
quatro pontos necessários para a comunicação de um pensamento sob forma
figurada - uma ciência livre (liberal science) em especial as justas e
perfeitas proporções (Geometria) gravadas em seu íntimo (Coração). O
Adão a que Anderson se refere é o admah hebraico ou "criatura feita da
mãe-Terra". O Deus Iniciador é o (ainda) Desconhecido e Inefável.
A comunicação alegórica (iniciação no paraíso) deve ser compreendida
mediante vários aspectos: num primeiro estágio da inteligência, o objeto
comunicado passa pelas funções psíquicas da percepção e do
julgamento: vejo isso; isso é bom ou é mal! - alegoria da árvore do
conhecimento do bem e do mal. No segundo estágio, mais evoluído, ocorre
a decomposição do objeto através da razão - o que é isso? como é
isso? No terceiro, há uma transcendência, pela contemplação e pela
iluminação, daquilo que foi comunicado - é o daqui para onde. Se não
conseguimos conceber o conhecimento primordial, a forma de transmissão
havida "a priori" (tempo) e uma objetividade factual (espaço) é porque
estamos formal e prematuramente iniciados. Se não temos a percepção, o
julgamento e o raciocínio superior, não podemos contemplar em
conformidade com os três estágios mencionados. O despertar daquele
potencial interior torna-se impossível e o reencontro do homem com o
transpessoal, uma utopia.
É verdade que convivemos com pessoas que, apesar de terem recebido a
iniciação apenas formal, negam os princípios da transmissão primordial.
Por causa disso o formalismo e o ritualismo tendem a suplantar o
conteúdo filosófico nas Ordens e nas Lojas que as compõem.
Por outro lado, é justamente nessa relação entre o Mestre primordial
(D'us) e o recipiendário inocente (adão/adam/adamah) que reside a
tradição judaica, os cânones da cabala e sua relação mais íntima com as
iniciações (especialmente a maçônica). Vou além: mesmos as religiões -
monoteístas ou politeístas – partem de princípios idênticos ao
Bereshit hebraico seguido do Adam Kadmon - homem arquetípico ou
anthropos - elementos cuja verdadeira compreensão e realização
determinam o nível de evolução alcançado pelo discípulo, pelo aprendiz e
pelos que almejam a maestria. Religiosos ou não, mesmo os mais
radicais, céticos e materialistas admitem um process of time - processo
do tempo nas palavras de Anderson, que equivale aos enunciados da
evolução.
Quando o Dr. James Anderson sugeriu que Adão fora o primeiro maçom,
iniciado por Deus no paraíso, ele quis expressar a seguinte verdade: o
homem traz dentro de si (written on his Heart) as ferramentas
necessárias para construir uma relação harmoniosa com seus semelhantes
(templo-outro), com o templo-planeta e o templo-universo. Todo aquele
que bate nos portais da Iniciação é um Adão (Adamah) que retoma um lugar
entre nós, na oficina do Cosmos, dispondo-se a utilizar os instrumentos
de trabalho - "especialmente a Geometria", diz Anderson referindo-se
alegoricamente à Moral das justas e perfeitas proporções entre o homem e
seu meio.